A bebida ayahuasca, desenvolvida por indígenas amazônicos e incas, é usada até hoje em rituais religiosos e ativa áreas do cérebro relacionadas à memória e à vontade.
Ayahuasca, hoasca, iagé, mariri e caapi designam um chá ancestralmente usado por indígenas amazônicos e incas para fins rituais. Atualmente, a infusão constitui o pilar de religiões de matriz brasileira, como o Santo Daime, a União do Vegetal e a Barquinha. Um dos mais notáveis efeitos de sua ingestão é a “miração” – há relatos de imaginações visuais tão vívidas quanto a realidade, mesmo de olhos fechados. Para entender as bases neurais desse fenômeno, o neurocientista Dráulio de Araújo articulou e liderou uma equipe de físicos, biólogos e médicos da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, do Instituto do Cérebro e do Hospital Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e do Centro J.B. Watson, nos Estados Unidos. Investigamos registros de ressonância magnética funcional feitos em membros da Igreja do Santo Daime durante uma tarefa imagética de olhos fechados, antes e depois de beberem ayahuasca. Em artigo para a revista Human Brain Mapping, relatamos que o chá produz um grande aumento na ativação de diversas áreas do córtex cerebral. Os resultados sugerem que as mirações são causadas pela potenciação de uma extensa rede cortical que envolve visão, memória e vontade.
Na área visual primária o nível de ativação durante a imaginação é comparável aos níveis de quem observa de olhos abertos uma imagem bem iluminada. A ingestão da bebida ritual intensifica a ação de áreas corticais relacionadas à memória episódica e a associações contextuais e também potencia regiões envolvidas com a imaginação prospectiva intencional, com a memória de trabalho e com o processamento de informações internas.
Em termos neuroquímicos, a ayahuasca afeta neurônios que utilizam serotonina, mas também, em menor grau, noradrenalina e dopamina. De que forma a modificação desses sistemas neurotransmissores aumenta a ativação cerebral e a vividez da imaginação é uma ótima questão científica em aberto. Seja como for, é compreensível que os xamãs da floresta tenham selecionado a ayahuasca culturalmente ao longo dos séculos para facilitar revelações místicas de natureza visual. Ao elevar a intensidade das imagens mentais ao nível das imagens percebidas de olhos abertos, a infusão confere status de realidade às vivências interiores.
A interpretação do fenômeno depende do ponto de vista. Para os místicos em busca da transcendência, a ayahuasca abre as portas da percepção para espíritos e mundos extracorpóreos. Para os materialistas, ela permite acessar, animar e navegar o vasto oceano do inconsciente, essa coleção absolutamente individual de memórias adquiridas durante a vida e de todas as suas combinações possíveis. Psiconauta ácido e cético ou sacerdote divinamente conectado, o fato é que o bebedor do chá empreende uma travessia corajosa para dentro de si. Para ver além, fecha os olhos...e vê.
Na área visual primária o nível de ativação durante a imaginação é comparável aos níveis de quem observa de olhos abertos uma imagem bem iluminada. A ingestão da bebida ritual intensifica a ação de áreas corticais relacionadas à memória episódica e a associações contextuais e também potencia regiões envolvidas com a imaginação prospectiva intencional, com a memória de trabalho e com o processamento de informações internas.
Em termos neuroquímicos, a ayahuasca afeta neurônios que utilizam serotonina, mas também, em menor grau, noradrenalina e dopamina. De que forma a modificação desses sistemas neurotransmissores aumenta a ativação cerebral e a vividez da imaginação é uma ótima questão científica em aberto. Seja como for, é compreensível que os xamãs da floresta tenham selecionado a ayahuasca culturalmente ao longo dos séculos para facilitar revelações místicas de natureza visual. Ao elevar a intensidade das imagens mentais ao nível das imagens percebidas de olhos abertos, a infusão confere status de realidade às vivências interiores.
A interpretação do fenômeno depende do ponto de vista. Para os místicos em busca da transcendência, a ayahuasca abre as portas da percepção para espíritos e mundos extracorpóreos. Para os materialistas, ela permite acessar, animar e navegar o vasto oceano do inconsciente, essa coleção absolutamente individual de memórias adquiridas durante a vida e de todas as suas combinações possíveis. Psiconauta ácido e cético ou sacerdote divinamente conectado, o fato é que o bebedor do chá empreende uma travessia corajosa para dentro de si. Para ver além, fecha os olhos...e vê.
Sidarta Ribeiro é neurobiólogo, diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e professor titular da UFRN.