Alguém perguntou por que o Espírito João Cobú se manifestava assim, como um pretovelho, sentado no chão, com as pernas de lado, a voz potente e forte, tão diferente do médium de que se utilizava. Argumentava que não era necessário a
nenhum Espírito apresentar se daquele modo; não havia motivos para esta caricatura tão rudimentar, arcaica talvez, própria de religiões apegadas a rituais e maneirismos pueris, segundo defendia.
Pai João ouvia atento.
Por que motivo escolher a aparência de um ancião se ele era Espírito, e Espírito não é idoso nem jovem é apenas Espírito. Após alguns instantes em silêncio, Pai João disse:
— Meu filho, pelo que eu saiba o espírito já esclarecido pode se apresentar da forma que desejar para estar com os filhos da Terra. Cada um escolhe a vestimenta que mais lhe agradar. Não há por aí Espíritos que se mostram como irmãs de caridade, padres, orientais, médicos e tantos outros? Por que o preconceito contra o velho ou a vovó? Será apenas porque a gente se apresenta como negro, ex-escravo?
Isso por acaso desmerece a mensagem que trazemos? Por que não repelir Espíritos que se manifestem como freiras, indianos ou doutores? Por acaso meu filho pensa que do lado de cá da vida só há diploma de médicos e eclesiásticos?
Pai João prosseguia:
— O problema, meu filho, é que velho não dá ibope para os médiuns e donos de centro. Mas, se além da visão do ancião e do linguajar singelo, a gente se mostra negro, aí sim: o preconceito de meus filhos fala ainda mais alto... Não há alforria que resolva; o preconceito é cativeiro pior que a escravidão. Negro, velho e, ainda por cima, morto... Nego acha que isso incomoda por causa do orgulho e do desejo que vocês têm de enquadrar tudo dentro dos padrões brancos, vamos dizer.
Se é assim, meu filho, aceita o conselho de nêgo: vá procurar Espíritos superiores, de médicos, padres e irmãs de caridade, e deixa nêgo trabalhar quietinho, falando com simplicidade para aqueles que não entendem linguagem complicada.
Deixa nêgo trabalhar, cantou Pai João.
Na fazenda do nosso Pai, que é Deus, tem lugar para todos. Cada um faça como pode e sente que é correto, pois nem Jesus, nem Kardec deixaram escrito algum dizendo que Espírito deve manifestar-se deste ou daquele jeito. João Cobú faz como sabe, trabalhando com alma e coração. Quem souber fazer melhor, faça; ele respeita. Enquanto isso, os pais velhos continuam pedindo ao Senhor que os deixe trabalhar, apenas trabalhar.
Muitos dizem que preto velho é Espírito atrasado, que não tem conhecimento e que, somente pelo fato de assim se apresentar assim já atesta a própria inferioridade. Mas eu gostaria de convidar a uma reflexão.
O que é estar atrasado ou adiantado em sua evolução?Se um Espírito é atrasado, ele o é em relação a quem?
Se está adiantado, como saber com certeza?
Muitos julgam as aparências, inclusive a dos Espíritos. Devemos ter cuidado ao fazer isso. É certo que não se deve crer em tudo ou em todos os Espíritos, mas, daí a discriminar um Espírito por ele se manifestar desta ou daquela forma preferida por ele, é preconceito típico de muitos irmãos.
A atmosfera espiritual do Brasil, devido a seu passado histórico, é povoada de Espíritos que preferem manter a forma espiritual tal qual em sua última existência, como escravo, o regime escravocrata terminou; a escravidão, contudo, permanece marcada nos céus no Brasil. O estigma deixado por ela, ainda o experimentamos. É por isso que mesmo Espíritos que não reencarnaram como negros, assumem essa aparência com alguma finalidade.
Por que não questionar também aqueles que se manifestam como frades, madres ou
quaisquer formas espirituais que adotem determinados espíritos?
Pai João de Aruanda in Sabedoria de Preto Velho, de Robson Pinheiro