A Lenda da Fênix e os Portais
Há muito, muito tempo, quando os homens ainda caminhavam entre deuses e estrelas, falava-se de uma ave de fogo que não pertencia inteiramente a este mundo nem ao outro.
Era a Fênix, guardiã dos Portais da Alma, passagens invisíveis que ligavam os seres ao seu verdadeiro destino.
Contam que ela surgia apenas nos tempos de transição, quando alguém estava prestes a encarar o fim de um ciclo.
Seus olhos brilhavam como brasas, e suas asas, ao se abrirem, iluminavam a escuridão como um nascer de sol.
Mas seu fogo não queimava a carne, queimava o que estava morto dentro da alma.
O Chamado do Viajante
Havia um homem que caminhava sem rumo.
Trazia nos ombros o peso da perda, no coração o silêncio da saudade, e nos olhos o medo de nunca mais recomeçar.
Numa noite de lua minguante, ele ouviu um canto profundo, como se o próprio céu chorasse em chamas.
Seguiu o som até uma planície esquecida, onde o ar tremia como calor de brasa.
Ali, diante dele, erguiam-se quatro arcos de fogo, suspensos no vazio, ardendo como se fossem portas para outro mundo.
E no centro, repousava a Fênix.
Seu olhar atravessava o viajante como se conhecesse todos os seus segredos.
— Chegou a tua hora — disse a ave, sua voz ecoando como trovão e ternura ao mesmo tempo.
— Mas não a hora da morte. A hora de atravessar os portais.
O Primeiro Portal: Coragem
O homem hesitou, mas a Fênix ergueu as asas e o fogo se abriu no primeiro arco.
Ao atravessá-lo, ele foi lançado num abismo de sombras.
Ali, todos os seus medos tomaram forma: serpentes de escuridão, vozes que gritavam sua impotência, memórias de fracassos.
Seu corpo tremia, mas, ao lembrar do olhar da Fênix, deu o primeiro passo.
E a cada passo, as sombras se dissolviam como fumaça.
Quando chegou ao fim, o medo já não o dominava, ele caminhava mais ereto, com o peito em chamas de coragem.
O Segundo Portal: Desapego
O segundo arco se abriu, e o viajante sentiu um vento frio arrancando-lhe tudo:
imagens, lembranças, objetos, pessoas.
Viu cair de suas mãos o que mais amava e também o que mais temia perder.
Ele chorou, resistiu, tentou segurar, mas quanto mais apertava, mais sofria.
Foi só quando abriu as mãos e permitiu que tudo fosse levado, que o peso se dissolveu.
Do outro lado, ele caminhou mais leve, como quem descobre que nada do que é verdadeiro pode ser perdido.
O Terceiro Portal: Amor-próprio
No terceiro arco, o fogo se tornou um espelho.
Ali, o viajante viu a si mesmo, cansado, ferido, julgando-se pequeno.
Viu as palavras que acreditara: “não sou digno, não sou suficiente, não mereço.”
Mas a Fênix pousou sobre seu ombro, e sua voz queimou dentro dele:
— Amar a si mesmo é o primeiro fogo da eternidade. Sem ele, nenhuma chama se sustenta.
Ele tocou o reflexo no espelho de fogo e, pela primeira vez, sorriu para si.
Do outro lado, saiu com os olhos mais vivos, sentindo que carregava um tesouro dentro do peito.
O Quarto Portal: Eternidade
O último arco ardia mais forte, como um sol em miniatura.
Ao atravessá-lo, o viajante viu sua própria morte: o corpo se desfazendo em pó, a vida apagando-se.
O medo o atravessou como gelo, mas então ouviu o canto da Fênix:
— Nada morre. Tudo se transforma. O fogo é o retorno.
E enquanto via seu corpo desaparecer, percebeu que ainda existia, não como carne, mas como uma luz, como chama viva.
Do outro lado, saiu diferente: não era mais apenas um homem, mas um ser renascido, cheio de sabedoria.
O Legado
A Fênix abriu suas asas flamejantes e disse:
— Agora sabes. Cada fim é um portal. Cada dor é uma passagem. E cada passagem conduz ao renascimento.
O viajante se ajoelhou, não em adoração, mas em gratidão.
E quando ergueu os olhos, a ave já se desfazia em cinzas luminosas, espalhando faíscas pelo vento.
Desde então, contam que, em momentos de ruptura e fim, a Fênix aparece aos corações que ousam enfrentar o fogo.
Pois os portais não estão em terras distantes, estão dentro de cada um de nós.
Descobrindo essa história percebi que quem já passou pela noite escura da alma, vai se identificar. E de repente, o que você chama de fim, pode ser apenas um recomeço… 🔥