Há um ano, escrevi aqui sobre a primeira Escola Latino-americana de Ciências Educacionais, Cognitivas e Neurais, no Chile (http://www.laschool4education.com/). Trata-se de uma iniciativa que seleciona e prepara jovens pós-graduandos, com sólida base em ciências e matemática, para realizar pesquisas sobre educação de modo quantitativo e controlado. A América Latina foi escolhida para sediar essa escola por ter grandes problemas educacionais e currículos unificados nacionalmente. Por causa do terremoto de 2010, a poucos dias do início do trabalho, a realização foi adiada para março de 2011. Por meio de aulas e oficinas com especialistas mundiais, 48 estudantes de 21 países, reunidos por duas semanas no remoto deserto do Atacama, serão instigados a criar uma pedagogia com base em evidências empíricas.
Preparando-me para a inauguração me lembro de um verso de Fernando Pessoa: se “tudo são símbolos”, então os analfabetos são cegos de tanta luz. Imagine andar por uma cidade sem compreender o significado das placas e letreiros! Há de ser assustador, tão vasta é a miríade de sentidos ocultos. Diante de uma banca de jornais, um analfabeto olha o sol de frente e não vê nada.
Alguns pesquisadores acreditam que a alfabetização, por ser evolutivamente muito recente, não ocorre em estruturas cerebrais exclusivamente dedicadas a ela. Ao contrário, utilizaria sistemas neurais que evoluíram em associação com funções cognitivas mais antigas, como o reconhecimento de faces, casas e objetos. Em crianças em processo de alfabetização, o imageamento cerebral durante a exposição a estímulos ortográficos revela a ativação de uma região cortical específica denominada área de formas visuais de palavras (AFVP). Curiosamente, ela se encontra em uma região altamente responsiva a faces. Qual o papel dessa área na alfabetização de crianças e adultos? Ensinar a ler e escrever melhora o desempenho neural em geral, ou existe competição entre funções, por exemplo, entre leitura e reconhecimento de faces?
Algumas respostas foram recentemente publicadas na revista Science por uma equipe de cientistas europeus de diversas instituições, bem como brasileiros do Instituto Internacional de Neurociências e Reabilitação da Rede Sarah. Por meio de comparação entre analfabetos, alfabetizados na infância e ex-analfabetos, os pesquisadores dissecaram os efeitos da escolaridade e da alfabetização no estudo da ativação da AFVP e de outras áreas corticais. Foram medidas as respostas cerebrais à linguagem falada e escrita, faces, casas, ferramentas e padronagens visuais em adultos com diferentes níveis de alfabetização. Verificou-se que a alfabetização incrementou respostas visuais e fonológicas, aumentou a ativação pela escrita do giro fusiforme esquerdo e induziu uma competição com a representação de faces nessa região. O estudo trouxe ainda um achado inspirador: boa parte das mudanças neurais relacionadas à alfabetização ocorreu mesmo em adultos ensinados tardiamente. O sol, assim como as letras, nasce para todos.
Fonte - Sidarta Ribeiro (Ph.D. em neurobiologia pela Universidade Rockefeller e pesquisador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal (IINN). Fez pós-doutorado na Universidade Duke (2000-2005) investigando as bases moleculares e celulares do sono e dos sonhos e o papel de ambos no aprendizado).
Preparando-me para a inauguração me lembro de um verso de Fernando Pessoa: se “tudo são símbolos”, então os analfabetos são cegos de tanta luz. Imagine andar por uma cidade sem compreender o significado das placas e letreiros! Há de ser assustador, tão vasta é a miríade de sentidos ocultos. Diante de uma banca de jornais, um analfabeto olha o sol de frente e não vê nada.
Alguns pesquisadores acreditam que a alfabetização, por ser evolutivamente muito recente, não ocorre em estruturas cerebrais exclusivamente dedicadas a ela. Ao contrário, utilizaria sistemas neurais que evoluíram em associação com funções cognitivas mais antigas, como o reconhecimento de faces, casas e objetos. Em crianças em processo de alfabetização, o imageamento cerebral durante a exposição a estímulos ortográficos revela a ativação de uma região cortical específica denominada área de formas visuais de palavras (AFVP). Curiosamente, ela se encontra em uma região altamente responsiva a faces. Qual o papel dessa área na alfabetização de crianças e adultos? Ensinar a ler e escrever melhora o desempenho neural em geral, ou existe competição entre funções, por exemplo, entre leitura e reconhecimento de faces?
Algumas respostas foram recentemente publicadas na revista Science por uma equipe de cientistas europeus de diversas instituições, bem como brasileiros do Instituto Internacional de Neurociências e Reabilitação da Rede Sarah. Por meio de comparação entre analfabetos, alfabetizados na infância e ex-analfabetos, os pesquisadores dissecaram os efeitos da escolaridade e da alfabetização no estudo da ativação da AFVP e de outras áreas corticais. Foram medidas as respostas cerebrais à linguagem falada e escrita, faces, casas, ferramentas e padronagens visuais em adultos com diferentes níveis de alfabetização. Verificou-se que a alfabetização incrementou respostas visuais e fonológicas, aumentou a ativação pela escrita do giro fusiforme esquerdo e induziu uma competição com a representação de faces nessa região. O estudo trouxe ainda um achado inspirador: boa parte das mudanças neurais relacionadas à alfabetização ocorreu mesmo em adultos ensinados tardiamente. O sol, assim como as letras, nasce para todos.
Fonte - Sidarta Ribeiro (Ph.D. em neurobiologia pela Universidade Rockefeller e pesquisador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal (IINN). Fez pós-doutorado na Universidade Duke (2000-2005) investigando as bases moleculares e celulares do sono e dos sonhos e o papel de ambos no aprendizado).