Amo, sofro, choro, me frustro, me encanto, me assusto, me emociono e cometo seis dos sete pecados capitais, menos a ira, que faltou no meu código genético. Tenho, pois, sangue de barata. Por um lado, é útil. Me safei de ficar berrando em paradas de ônibus, derramando copos de cerveja sobre a cabeça de namorados, dando piti em fila de cinema, revidando e-mails grosseiros, comprando brigas desnecessárias. Não chego a ser o sonho do Procon: reivindico meus direitos legais, mas quando o caso é de discordância ou falta de sintonia, simplesmente sumo, desapareço. Prefiro tratar da minha vida a vencer uma discussão. O silêncio em meio a discussões estéreis, a confiança de que as pessoas cansarão se eu não der corda para suas maluquices, a compaixão por quem não tem condição de expandir-se, a calma diante de provocações, a tolerância com alguns desaforos e a paciência para aguardar a hora exata de cair fora.
Sangue de Barata, de Martha Medeiros