Um dos meus textos favoritos se chama Desiderata. “Desiderata“ quer dizer “conjunto de coisas que se desejam.“Pois lá está dito, como um desejo: “Aceite com elegância o conselho dos anos, deixando graciosamente para trás os prazeres da juventude.“ O sentido não está explícito. O que eu tirei foi o seguinte: sendo os prazeres sexuais prazeres que o senso comum toma como prazeres da juventude, é preciso que os velhos aceitem com elegância as limitações da velhice, para não se tornarem ridículos: na velhice os prazeres do sexo vão também envelhecendo. Que ridículo Davi, indiferente, nos braços de uma linda jovem...
De fato, os prazeres da velhice não são iguais aos prazeres da juventude. Escrevi, faz muito tempo, sobre um casal de velhos que havia esperado mais de 50 anos para se casar. Morta a mulher do homem, morto o marido da mulher, os viúvos se encontraram para viver, no pouco tempo que lhes restava, o amor que ficara estrangulado. O velho, 79 anos, ressuscitou. A primeira mulher odiava violino. Ele amava violino. Resultado: para evitar ruídos vocais, ele deixou seu violino sobre o guarda-roupas, por mais de cinquenta anos. Largado, as cordas do violino arrebentaram e arrebentadas ficaram... Ah! Que triste metáfora para a alma daquele homem, violino impedido de fazer música... Tomado pelo novo-velhíssimo amor, as cordas da alma se afinaram, o violinista ressuscitou do ataúde em que se encontrava preso, e tratou de reformar o violino que estava em cima do guarda-roupa. (Por vezes um violino é mais potente, sexualmente, que o corpo de uma donzela...) E o violino velho, esquecido dos prazeres da juventude, começou a tocar de novo. Essa metáfora me faz rir de alegria. Será isso? O corpo será um violino e a alma será uma música? Há, nos anais da psicanálise, o relato de uma pessoa que sonhava tocar violino em público – e o sentido do sonho era “masturbar-se em público“. Estou meio esquecido. Se não foi bem assim, peço que meus colegas me corrijam, para benefício dos leitores. O que nos interessa é essa deliciosa relação metafórica entre o instrumento musical e os instrumentos sexuais. Afinal de contas, fazer amor é sempre tocar um dueto. É preciso que os dois toquem para que o dueto soe como deve. E o amor foi enorme, no curto espaço em que durou. O violino não aguentou a intensidade da sonata: despedaçou-se antes que ela chegasse ao fim. O velhinho morreu aos 80 anos. Escrevi uma crônica sobre o acontecido. Pois algum tempo depois, recebo um telefonema de uma mulher desconhecida. Era ela! Por quarenta minutos me relatou com detalhes a alegria do amor que ela e o seu amado haviam vivido. E, ao término da conversa, me disse essa coisa linda que, toda vez que conto, choro de emoção: “Pois é, professor. Na idade da gente não se mexe muito (por favor! Observem o muito!) com as coisas do sexo. A gente vivia de ternura!“
De fato, os prazeres da velhice não são iguais aos prazeres da juventude. Escrevi, faz muito tempo, sobre um casal de velhos que havia esperado mais de 50 anos para se casar. Morta a mulher do homem, morto o marido da mulher, os viúvos se encontraram para viver, no pouco tempo que lhes restava, o amor que ficara estrangulado. O velho, 79 anos, ressuscitou. A primeira mulher odiava violino. Ele amava violino. Resultado: para evitar ruídos vocais, ele deixou seu violino sobre o guarda-roupas, por mais de cinquenta anos. Largado, as cordas do violino arrebentaram e arrebentadas ficaram... Ah! Que triste metáfora para a alma daquele homem, violino impedido de fazer música... Tomado pelo novo-velhíssimo amor, as cordas da alma se afinaram, o violinista ressuscitou do ataúde em que se encontrava preso, e tratou de reformar o violino que estava em cima do guarda-roupa. (Por vezes um violino é mais potente, sexualmente, que o corpo de uma donzela...) E o violino velho, esquecido dos prazeres da juventude, começou a tocar de novo. Essa metáfora me faz rir de alegria. Será isso? O corpo será um violino e a alma será uma música? Há, nos anais da psicanálise, o relato de uma pessoa que sonhava tocar violino em público – e o sentido do sonho era “masturbar-se em público“. Estou meio esquecido. Se não foi bem assim, peço que meus colegas me corrijam, para benefício dos leitores. O que nos interessa é essa deliciosa relação metafórica entre o instrumento musical e os instrumentos sexuais. Afinal de contas, fazer amor é sempre tocar um dueto. É preciso que os dois toquem para que o dueto soe como deve. E o amor foi enorme, no curto espaço em que durou. O violino não aguentou a intensidade da sonata: despedaçou-se antes que ela chegasse ao fim. O velhinho morreu aos 80 anos. Escrevi uma crônica sobre o acontecido. Pois algum tempo depois, recebo um telefonema de uma mulher desconhecida. Era ela! Por quarenta minutos me relatou com detalhes a alegria do amor que ela e o seu amado haviam vivido. E, ao término da conversa, me disse essa coisa linda que, toda vez que conto, choro de emoção: “Pois é, professor. Na idade da gente não se mexe muito (por favor! Observem o muito!) com as coisas do sexo. A gente vivia de ternura!“
Rubem Alves
O texto citado por Rubem Alves Desiderata é este:
Vá calmamente, entre o barulho e a pressa, e lembre-se da paz que somente existe no silêncio.
Na medida do possível, e sem se atraiçoar, tenha boas relações com todas as pessoas.
Diga a sua verdade quieta e claramente.
Ouça os outros, mesmo os obtusos e ignorantes. Eles também tem uma estória a contar.
Evite as pessoas ruidosas e agressivas. Elas são tormentos para o espírito.
Se você se comparar aos outros você se tornará ora vaidoso, ora amargo, pois há sempre pessoas que lhe são inferiores ou superiores. Goze tanto as suas realizações quanto os seus sonhos.
Mantenha-se interessado naquilo que você faz, por humilde que seja. Aquilo que você faz é algo que você realmente possui, num tempo em que tudo muda sem parar.
Pratique a prudência nos seus assuntos comerciais, pois o mundo está cheio de trapaças. Mas não deixe que isto o faça cego para as virtudes que existem. Muitas pessoas se esforçam por ideais altos. Por toda parte a vida está cheia de heroísmo. Seja você mesmo. Não finja afeição. E nem seja cínico acerca do amor. A despeito da aridez e do desencanto, ele renasce tão teimosamente quanto a tiririca. Aceite com elegância o conselho dos anos, deixando graciosamente para trás os prazeres da juventude. Crie força de espírito para proteger-se na desgraça repentina. Não se aflija, porém, com coisas imaginadas. Muitos temores nascem do cansaço e da solidão.
Tenha uma disciplina saudável, mas seja gentil para consigo mesmo. Você é um filho do universo, tanto quanto as árvores e as estrelas. Você tem o direito de estar aqui. E, quer você saiba disto ou não, o fato é que o universo caminha como deve. Por isto, esteja em paz com Deus, não importa como você pensa que ele é.A despeito da barulhenta confusão da vida, mantenha-se em paz com a sua alma. Com todos os seus enganos, labutas e sonhos não realizados, este continua a ser um belo mundo. Cuide-se. Esforce-se por ser feliz...
(Correio Popular, Caderno C)