"Eu já entornei o caldo, falei pelos cotovelos, briguei com o mundo, fiz silêncio, descontei nos outros, fiz tempestades, pedi desculpas, me arrependi, fiquei com vergonha e jurei nunca mais ser assim. Tempos depois repeti a dose.
Eu já gastei demais, dei o troco, doei além da conta, fiquei sem nada, passei aperto, ganhei tudo de novo, fiz planos maiores e não deram certo, prometi ir com calma, fiz economias e gastei tudo de uma vez. Jurei melhorar.
Eu já perdi a hora, o ônibus, o emprego, o caminho de casa, o trabalho, o tempo, um amor, a paciência, o fio da meada. Parei para pensar e não cheguei a uma conclusão lógica.
Eu já abusei da fé, da esperança, da confiança, do trabalho, da rua, da cidade, de mim, dos outros. Resolvi deixar de debochar do que não tem jeito.
Eu já comi apressada, engoli seco, insisti em tolices, agi por impulso, inventei dramas, cai da cama, do cavalo, da escada, cai de susto no chão. Resolvi adotar padrões normais.
Já vivi em imaginários, refiz meus labirintos, tomei por engano um conceito encardido e preconceituoso, larguei de bobagem, criei coragem para falar de sentimentos e desarmonizei a alma. Quis ser adulta politicamente correta durante a semana e criança nos feriados.
Eu acho que ser adulto é caminhar rumo ao desconhecido com uma mistura de equilíbrios, exageros, bom senso, desarmonia e tentativas. Depende do humor, da situação e do tempo lá fora."
Ita Portugal