Se você se sente NORMAL diante do sofrimento de outro ser vivente, existe algo errado com você.
O primeiro mês de 2019 ainda não tinha acontecido, quando fomos surpreendidos pela tragédia de Brumadinho (MG). Confesso que fiquei tão perplexa, que arrumei minha mochila, coloquei agulhas de acupuntura, florais de emergência, alguns alimentos (grãos, frutas secas, shake nutricional), roupas e lá fui eu ajudar – como voluntária – no que faço bem: ouvir e escutar, acolher.
Não fui com nenhum órgão humanitário. Fui comigo mesma. Chegando lá, diante de tanta consternação, revolta, luto, fui para as regiões afetadas, estive em residências ribeirinhas onde as pessoas perderam parentes, amigos, plantações, animais. Lares onde – obrigatoriamente – as pessoas não funcionários da Vale. Simplesmente estavam no caminho da Tsunami de lama.
Meus olhos e alma estavam devastados diante do caos, da dor. Acompanhei buscas e encontros felizes de salvamento. Estive ao lado de buscadores e o encontro triste com os restos mortais de quem amavam.
A todos, através de minha escuta atenta, busquei levar a compreensão, no lugar da ira. Porque o luto traz a negação e a revolta.
Em alguns encontros familiares, entre vizinhos e amigos, falamos sobre AMOR, sobre as lembranças das pessoas queridas desaparecidas, ativando suas ideias, para que cada um percebesse que a vida envolve lutas. As nossas lutas pessoais, as lutas familiares, em grupos. Lutas internas de construção do equilíbrio das emoções de modo saudável. Lutas externas pela sobrevivência e viabilização da realização dos sonhos.
Respeitar as dores, os desafios, os medos de cada um é valorizar a nossa presença no planeta Terra.
Diante daquela realidade, mais parecida com um cenário de guerra, tive momentos de reflexão profunda.
Quando uma mãe humilde, que tinha perdido o marido e a sua rocinha, tinha palavras de Fé e Esperança para outras pessoas, com o mesmo sofrimento. Essa senhora, de vida e hábitos simples, tinha poucos alimentos em sua dispensa, mas me ofereceu abrigo para descansar.
Descansar o corpo. Porque eu não conseguia dormir, vendo pessoas andando à noite com lanternas procurando esperançosos seus queridos. Eu ia junto com elas, favorecendo que falassem, falassem repetidas vezes, contando histórias e sonhos de quem saiu para o trabalho, na manhã de sexta-feira e não voltou, porque não voltará mais.
E, pela manhã, aquela mãe, viúva, analfabeta, me oferecia um café com mandioca cozida que ela se orgulhava dizendo: “Oi, moça, fui eu que plantei e colhi para nós. Tá enxutinha, ó!”
Comemos, estava uma delícia. A delícia maior não era o alimento em si, mas sim o carinho de me acolher, diante de tanta desolação. Ela decidiu me fazer companhia nas visitas, eu aceitei com alegria. Ela andava calada, cabeça baixa. Ofereci o braço, ela se apoiou em mim, levantou a cabeça e me contava histórias sobre o lugar, as pessoas, sobre ela e sua vida pacata.
Chegamos a uma casa bonita, nessa casa todos sobreviveram, pouco da plantação foi levado. Fomos recebidas com sorrisos. Lá, havia abundância de tudo, materialmente falando.
Era hora do almoço, fomos convidadas, mas não aceitamos, quando nossa anfitriã disse: “Estou tão feliz! Aqui está proibido falar de tristeza, do que aconteceu. Sabe, eu acredito que quem perdeu posses e pessoas, perdeu, porque mereceu. Tem muita gente neste mundo.”
Ela disse que não precisava de nada mesmo e desejou boa caminhada para nós. Vi uma lágrima nos olhos da senhora que me acompanhava junto com um respiro profundo de DOR.
Eu disse a anfitriã: “Desejo que a senhora esteja em paz. A senhora merece estar feliz. Quando puder, envie uma oração, para as famílias que estão tristes.”
Ela sorriu e disse que não perderia tempo.
Caminhamos em silêncio, até que eu disse para
a minha acompanhante ilustre: “Quando uma pessoa acha
normal a dor de outro ser vivente, ela está gravemente
DOENTE. Precisa de ajuda urgente.”
Aquela senhora me olhou nos olhos e me
perguntou: “E tem cura pra isso, Mel?”
Respondi: “Sim, existe cura. A cura começa pela
compreensão do motivo que a fez endurecer
dessa maneira. Esse comportamento é a ferida aberta.
Curar a ferida é tratar a causa. Essa causa pode ser: mágoa,
raiva, medo.”
Ela sorriu e disse: “Vou rezar para ela se curar, porque a
vida dela deve ser muito triste. Deus me livre disso!”
Fiquei 4 eternos dias e noites naquela região invadida pela
lama, violentada pelo descaso e irresponsabilidade.
Aquele cemitério a céu aberto, o odor, o trabalho dos
bombeiros e militares. Tantas pessoas trabalhando, ajudando.
O aprendizado maior foi com as pessoas – em sofrimento,
porque elas me ensinaram muito sobre empatia.
Empatia: capacidade de se colocar no
lugar do outro, olhar o mundo pelos
olhos da outra pessoa e ajudar. Não é
sentir a DOR do outro, porque isso é
impossível.
É – simplesmente – ter a humildade de enxergar o mundo
através dos olhos do outro.
Ajudar, fazendo-se presente. Ajudar ouvindo e escutando.
Ajudar falando, sem julgamentos. Ajudar simplesmente
AMANDO essa pessoa INCONDICIONALMENTE.
Vamos exercitar: sente-se ao lado de alguém que
esteja sofrendo e olhe o mundo pelos olhos dela,
somente assim você poderá exercer o “ser
humano”, ou seja, praticar a empatia; e tenha
certeza de que saberá como ajudar.
Fonte: O Segredo, por Mel Moura Moreno (psicóloga
e coach).
Um texto comovente sobre empatia. ♥