“Seria bacana se a gente pudesse dissolver a ilusão de que para sermos amados temos que ser outros que não nos habitam. Outros que não somos. Outros que, no fundo, não podemos ser, mas também não precisamos. Ter outras caras. Outros corpos. Outros gostos. Outros sonhos. Outros jeitos. É inútil qualquer esforço de tentar caber onde o nosso coração não está. Onde ele não pode nadar livremente, no tempo e no ritmo das próprias braçadas, aproveitando, feliz, o contato com a vida. Há um desperdício imenso de energia nessa história. É tenso demais viver para agradar, em troca de pertencimento, reconhecimento, alguma afeição. Maquiar as emoções, boicotar a própria essência, trocar a luz natural por luminárias artificiais, bolar planos fantásticos para chegar ao coração de quem quer que seja. Cansa, só de imaginar.
Além de inútil, é perigoso. Perigoso porque dói, mesmo quando faz aumentar nossos índices de popularidade. Nosso catálogo de endereços eletrônicos. Nossas referências no caderno de telefones. Nossa lista de contatos do celular. Perigoso porque requer de nós muito malabarismo emocional para não trairmos os personagens que criamos para atender as demandas alheias. É trabalhoso demais tentar ser o que não se é. Exaustivo. Drenagem pura. E, no fim das contas, o que buscam essas pessoas que queremos que nos amem? Procuram por nós ou pelas pessoas que tentamos parecer? Por nós ou pelas pessoas que querem que sejamos? Se não for por nós, não tem importância alguma. A leveza escoa, assustada, ralo afora. Se não for por nós, não é de verdade.”
Ana Jácomo