Você já ouviu falar na “cultura do cancelamento”? Cancelamento é o método da vez no universo das mídias sociais, usado contra pessoas de grande popularidade virtual no momento em que eles erram, escorregam, fazem algo inaceitável para seus seguidores ou para a sociedade. É um ato de vingança contemporânea em que quem ama e vive de likes e views recebe o oposto quando erra, ou seja, o ostracismo. No cancelamento, o erro é, portanto, irreparável, destrói a reputação de quem o cometeu e também a chance de ser reparado ou gerar uma transformação positiva.
Veja um exemplo diferente, existe uma tribo na África do Sul que possui um costume ancestral grandioso. Quando um integrante da tribo erra, se engana, prejudica alguém, é colocado no centro de uma roda na sua comunidade. Por dois dias, seus iguais o relembram tudo de bom que ele é... e que o erro que cometeu, já foi, ficou no passado. É um ritual regenerativo aonde as pessoas da tribo dizem para ele Sawabona que significa: “eu respeito você, eu valorizo você, você é importante para mim”. E em resposta, o equivocado responde Shikoba, que significa “então, eu existo para ti.” Nesse lugar de reconhecimento e aceitação mútua, o perdão acontece seguido da transformação.
Essa tribo acredita que todo ser humano é bom por natureza, mas por vezes, diante de alguns eventos externos ou pela suas crenças limitantes, perde a conexão com a sua essência e com o amor. Essa prática vem na contramão de tudo o que vem sendo praticado por aqui. Serve para relembrar a pessoa de quem realmente é através do acolhimento e da empatia. Dentro dessa filosofia, enxergam que erros, enganos, crueldades são cometidos não para machucar o outro, mas como um pedido de socorro, um pedido urgente de ajuda para esse retorno à essência e ao amor.
Veja que a intenção do ritual não é julgar ou condenar, mas potencializar a mágica da cura e a possibilidade da mudança. Eu considero essa prática um dos mais bonitos atos de perdão e solidariedade, porque enfatiza o que o ser humano precisa desde o primeiro sopro de vida: pertencimento, acolhimento, amor, aceitação, se sentir visto para permanecer no caminho da verdade e da evolução.
Todos nós desejamos nos sentir especiais, amados, e nessa busca insana de atenção e aprovação, muitas vezes erramos no caminho. Cada um de nós enxerga o mundo através de suas lentes individuais, pelas suas crenças que se tornam verdades absolutas, que muitas vezes levam a cegueira e a intolerância à pontos de vistas divergentes. Nesse caminho sem empatia e abertura para o novo, conflitos, brigas, guerras surgem e muito sofrimento é sentido.
Mesmo assim, a força maravilhosa que nos criou, nos fez com um plano B. Somos capazes de reconhecer nossos erros e mudar. Existe sempre a possibilidade do arrependimento, da responsabilidade, do perdão. Antes do mundo das redes sociais, quem nos dizia que estávamos errados eram nossos pais, amigos, irmãos, professores… O “cancelamento” do afeto era temporário e praticado com mais cuidado e respeito.
O diálogo — quando sincero e seguido de ação — é o meio mais efetivo para a mudança.
Fica o convite para a reflexão sobre a ideia de que a busca de nossos maiores anseios (amor e pertencimento) pode nos levar a novas formas de ver e agir. Acredite: temos a possibilidade de construir um mundo melhor. E esse mundo inclui todos e tudo que nele existem. Então, mais uma vez, Shikoba e Sawabona, para você, para mim, para eles, para todos nós.
Fonte: Vida Simples