Mutismo seletivo em crianças: não é timidez, não.
Essa confusão é muito comum. Mas o distúrbio impede que a criança consiga falar na frente de pessoas que não conhece. Veja as características desse problema – que acomete 7 a cada mil pessoas - e como você pode ajudar seu filho a superar esse problema.
Depois de dois meses de aulas, Lewis Fawcett, já com 7 anos de idade, conseguiu falar pela primeira vez com a professora – depois de muito esforço dela. O menino sofria com um distúrbio pouco conhecido, chamado de mutismo seletivo, que inibe a criança de conversar com pessoas estranhas, aquelas que não costumam fazer parte de seu círculo social mais íntimo. Assim, Lewis conversava normalmente com sua família e mesmo com os colegas de classe, mas era só um professor ou um adulto se aproximar que o menino não conseguia falar mais nada. Em entrevista ao jornal Daily Mail, a mãe, Lisa, contou que percebeu o problema em 2006, e não houve melhora mesmo quando Lewis entrou na escola primária, no início de 2009. Graças à paciência e dedicação de sua professora, ele conseguiu superar o distúrbio, muitas vezes confundido com excesso de timidez.
Casos como esse são uma exceção. Em entrevista à CRESCER, Elisa Neiva de Lima Vieira, psicóloga clínica, que trabalha há mais de 15 anos com crianças com essa dificuldade, explica mais sobre o distúrbio, fala dos sinais que indicam que uma criança possa tê-lo e como os pais e profissionais devem agir para ajudá-la a superar o problema.
CRESCER: Quais são as principais diferenças entre timidez e mutismo seletivo?
Elisa Neiva de Lima Vieira: Uma criança tímida tem dificuldades de vínculos e contatos, obviamente, mas ela não deixa de exercer suas atividades devido à impossibilidade de falar. A criança com mutismo seletivo simplesmente para de se comunicar – ela passa a usar o “não falar” como forma de defesa emocional. Mas é preciso fazer uma avaliação com um especialista para ter certeza sobre o diagnóstico. Talvez por esta razão as crianças com mutismo seletivo ainda sofram muito, porque professores, pais, profissionais em geral e a própria sociedade brasileira ainda não têm este olhar. Os colegas de classe acabam incluindo a criança em rodas de chacotas, de bullying.
C.: O que pode causar esse problema?
E.N.L.V.: As pesquisas recentes e a prática clínica mostra que pode estar relacionado com situações traumáticas vividas pela criança, de ordem física (violência física), ou psicológica (quando ela vivencia uma desintegração familiar, por exemplo).
C.: Em que faixa etária é mais comum?
E.N.L.V.: Percebemos que o início do mutismo seletivo está na faixa etária dos 3 anos de idade, quando a criança já tem a fala adquirida.
C.: O que os pais (e a escola) precisam prestar atenção?
E.N.L.V.: A criança com mutismo seletivo para de se comunicar em ambientes sociais e, nesta faixa etária (3 a 6 anos) podemos observar mais casos nas escolas, lugar onde a criança começa a passar a maior parte de seu tempo. Ela mantém o contato verbal com pais, familiares e eventualmente algum amiguinho que ela possa eleger, mas para de falar com outras pessoas. Não pede aos professores para ir ao banheiro, beber água.
Com o tempo e a persistência desta negação em falar, os pais começam a perceber que não é uma simples dificuldade de comunicação. É comum que com o passar do tempo ela vá restringindo ainda mais as suas relações, caso o problema não seja avaliado e tratado em tempo hábil. Os pais devem procurar ajuda caso essa situação persista por mais de um mês. A criança com mutismo seletivo, por si só, sofre muito com a ansiedade, e por vezes traz sintomas secundários associados, como transtorno obsessivo compulsivo e tic nervoso, por exemplo.
C.: Quanto tempo de terapia é necessário?
E.N.L.V.: Depende da criança, do caso e do tipo de terapia. Primeiro o terapeuta precisa conseguir criar um vínculo forte com a criança para só a partir daí conseguir resultados, e avaliar conforme a criança consegue responder ao problema. Não dá para estimar um tempo preciso.
C.: Uma criança que superou o mutismo seletivo pode voltar a desenvolvê-lo mais tarde?
E.N.L.V.: É provável. Como esse distúrbio é de ordem psicológica e geralmente é provocado por um trauma, nada impede que uma criança, um adolescente ou mesmo um adulto que teve o problema anteriormente volte a desenvolvê-lo diante de uma outra situação traumática.
C.: Como tratar o problema?
E.N.L.V.: Eu acredito muito em um trabalho conjunto entre pais, terapeuta e criança. O terapeuta tem que ser maleável o suficiente para poder entender e atender ao pedido de seu paciente. É desejável que a criança seja avaliada por um psiquiatra especialista em psiquiatria infanto-juvenil, pois, segundo a análise do terapeuta, pode-se iniciar um tratamento medicamentoso (ou não). Eu peço sempre aos pais que conversem com seus filhos sobre o problema que ele enfrenta, não escondam nada, não procurem profissionais “in off”. A criança precisa lidar com a realidade, com a verdade. Os adultos também precisam aprender isso.
Fonte: Revista Crescer