Mudanças físicas e psíquicas perpassam a construção da sexualidade na adolescência. Compreensão e diálogo são fundamentais durante esse processo.
"A adolescência chega e muitas vezes com ela as primeiras experiências sexuais. Nem todo mundo sabe, mas o despertar da sexualidade nada tem a ver com a genitalidade, normalmente acentuada nesta fase da vida. Quando o ser humano nasce, já começa a desenvolver sua própria sexualidade. Entretanto, em uma sociedade que erotizou o sexo, incentivando sua prática a qualquer custo, as pessoas perderam o referencial. Muitas acreditam que os únicos riscos do sexo são físicos, como uma gravidez indesejada ou a contaminação pelo vírus HIV. Os especialistas, no entanto, alertam que viver plenamente as experiências sexuais pode trazer outros problemas: traumas que, sem tratamento adequado, serão carregados por toda vida".
No ano passado, adolescentes começaram a circular pelas escolas brasileiras com pulseiras coloridas. Parecia apenas mais uma moda, até que os adultos perceberam que tudo se tratava de um jogo com conotação sexual - para cada cor, havia uma atitude correspondente. Assim, se um menino arrebentasse a pulseira amarela no braço de uma menina, ela era obrigada a dar um abraço nele. Se fosse roxa, a "prenda" era um beijo de língua (a lilás era "só" um selinho). A escala de carícias chegava a "sexo" (preta), "tudo o que quiser" (transparente) e "todas as opções anteriores" (dourada).
A possibilidade de que a brincadeira estivesse sendo levada às últimas consequências deixou pais e educadores alarmados - talvez pelo fato de ver a garotada falando abertamente sobre... aquilo. E o que poderia ser uma oportunidade para uma conversa franca sobre um tema tão importante (porém ainda tabu para muita gente) acabou, em vários casos, com a proibição pura e simples do uso dos acessórios nas escolas. A atitude foi condenada por especialistas, que reforçam a necessidade de compreender que, quando os jovens entram na puberdade, iniciam um processo intenso e conflituoso para construir a própria sexualidade. Ajudá-los a entender esse caminho é a melhor maneira de lhes dar ferramentas para ter uma vida sexual plena e responsável.
Segundo Sigmund Freud, na adolescência, com a explosão hormonal, o prazer deixa de existir apenas em relação a si mesmo e passa a se dirigir ao outro e a depender de seu olhar. "É uma transição delicada, já que o jovem experimenta a sensação de luto por perder o corpo de criança, sobre o qual tinha controle e com o qual sabia se comportar. Quando isso ocorre, ele precisa aprender a lidar com o desejo e uma nova sexualidade que desponta, o que acaba provocando um turbilhão de sensações desconhecidas", explica Roberto Graña, psicanalista e autor de livros sobre o tema.
ARTHUR* Sem controle
''Às vezes, eu não tenho controle mesmo e a barraca arma. Acontece à noite e tb de manhã. Ando acordando + cedo pra ver se passa pq minha mãe já viu duas vezes, mó bad. Queria q armasse só qdo eu quisesse.''
SURPRESA NOTURNA Sonhos eróticos, ereções e desejos geram prazer, mas também ansiedade
A médica e psicanalista francesa Françoise Dolto (1908-1988) comparou a adolescência à transição que um caranguejo faz quando perde a casca para poder crescer e formar uma nova, maior. É uma metáfora que remete à vulnerabilidade a que o jovem fica exposto até finalmente "formar" seu corpo de adulto. Além disso, é importante compreender que essa fragilidade se manifesta do ponto de vista psíquico por um motivo bastante simples: enquanto as mudanças corporais avançam, as representações mentais sobre elas ainda estão em formação. Para aplacar a angústia que isso pode causar, é importante o professor, independentemente da disciplina, estar aberto ao diálogo para poder explicar as transformações provocadas pela puberdade. Esse é o melhor caminho para ajudar os adolescentes a encarar com mais naturalidade todas essas situações que fogem ao seu controle - do surgimento de pelos faciais ao crescimento de genitais e seios, passando por ereções involuntárias e outras manifestações da sexualidade nascente.
LUCIANA* Quero beijar muito
''Já fiquei com menino e com menina. Eu gosto, é bom pra curtir a vida. Ñ me apego a ning pq beijar na boca de uma pessoa só é mto chato. Meus amigos ficam com uma pá de meninos e meninas tb. Se não fizer isso agora, vou fazer qdo? Qdo ficar velha?''
GERAÇÃO TOTAL FLEX Fazer experiências com meninos e meninas faz parte do processo de formação da identidade, diz o psicólogo.
Assumir uma preferência sexual, na maioria dos casos, exige abrir mão de outra e, nesse processo, é comum os adolescentes testarem possibilidades. Essas experiências, é claro, não se dão apenas na fantasia mas também de forma bem concreta - com beijos, manipulação sexual mútua ou relações sexuais. E muitas vezes isso se manifesta ainda na forma de ciúme ou agressividade em relação aos amigos e amigas. "Tudo isso faz parte do desenvolvimento da sexualidade e deve ser encarado com normalidade. O que não podemos fazer é repassar preconceitos e tabus para os jovens, pois é sabido que isso prejudica seu desenvolvimento emocional", afirma o psicanalista Tiago Corbisier Matheus.
Ele faz um alerta, porém, para uma "moda" atual: meninos e meninas que gostam de beijar meninos e meninas nas escolas, nos shoppings, em festas etc. "Nesse caso, é importante perceber se o jovem está experimentando por necessidade própria ou se o faz apenas para satisfazer às expectativas do grupo", ressalta. Outra situação comum e que também merece cuidado é a de adolescentes que adotam a promiscuidade como uma forma de evitar o envolvimento emocional. "É o caso da jovem que beija vários meninos ou meninas, mas nunca se permite uma relação de intimidade com um deles. Se isso persiste, o desenvolvimento da sexualidade também pode ser prejudicado", afirma Matheus.
Além do desafio de encarar as mudanças corporais e a avalanche de desejos e novas experiências, construir-se e posicionar-se sexualmente como homem e mulher é um desafio e tanto na adolescência. Principalmente porque a sexualidade não é constituída apenas de determinantes biológicos, mas por um complexo de marcas culturais, sociais e econômicas. O adolescente aprende com o meio o que é esperado dele na relação com o outro.
Como meninos e meninas estão formando a própria identidade, é essencial eles confrontarem as ideias que têm sobre o comportamento de homem e de mulher (o que inclui, em muitos casos, contestar até o modelo dos pais, geralmente considerado perfeito durante a infância). Freud escreveu que é essa nova significação de papéis, com a adoção de outros modelos de identificação fora da família, que consolida a sexualidade de cada um. Na vida real, isso pode provocar grande ansiedade, pois novas referências podem se chocar com os antigos e criar contradições difíceis. É a luta entre o que o adolescente quer ser (como homem e mulher), a autoridade que ele efetivamente dispõe para se tornar isso (já que ainda não é totalmente independente) e o que se espera que ele seja (na família ou na comunidade).
Enfim, falar sobre sexualidade exige exercitar a tolerância, o acolhimento ao outro e o olhar para si mesmo. Como disse o educador Paulo Freire (1921-1997): "A sexualidade, enquanto possibilidade e caminho de alongamento de nós mesmos, de produção de vida e existência, de gozo e boniteza, exige busca de saber de nosso corpo. Não podemos viver autenticamente, no mundo e com o mundo, se nos fechamos medrosos e hipócritas aos mistérios de nosso corpo ou se os tratamos cínica e irresponsavelmente".
LUCIANA* Quero beijar muito
''Já fiquei com menino e com menina. Eu gosto, é bom pra curtir a vida. Ñ me apego a ning pq beijar na boca de uma pessoa só é mto chato. Meus amigos ficam com uma pá de meninos e meninas tb. Se não fizer isso agora, vou fazer qdo? Qdo ficar velha?''
GERAÇÃO TOTAL FLEX Fazer experiências com meninos e meninas faz parte do processo de formação da identidade, diz o psicólogo.
Assumir uma preferência sexual, na maioria dos casos, exige abrir mão de outra e, nesse processo, é comum os adolescentes testarem possibilidades. Essas experiências, é claro, não se dão apenas na fantasia mas também de forma bem concreta - com beijos, manipulação sexual mútua ou relações sexuais. E muitas vezes isso se manifesta ainda na forma de ciúme ou agressividade em relação aos amigos e amigas. "Tudo isso faz parte do desenvolvimento da sexualidade e deve ser encarado com normalidade. O que não podemos fazer é repassar preconceitos e tabus para os jovens, pois é sabido que isso prejudica seu desenvolvimento emocional", afirma o psicanalista Tiago Corbisier Matheus.
Ele faz um alerta, porém, para uma "moda" atual: meninos e meninas que gostam de beijar meninos e meninas nas escolas, nos shoppings, em festas etc. "Nesse caso, é importante perceber se o jovem está experimentando por necessidade própria ou se o faz apenas para satisfazer às expectativas do grupo", ressalta. Outra situação comum e que também merece cuidado é a de adolescentes que adotam a promiscuidade como uma forma de evitar o envolvimento emocional. "É o caso da jovem que beija vários meninos ou meninas, mas nunca se permite uma relação de intimidade com um deles. Se isso persiste, o desenvolvimento da sexualidade também pode ser prejudicado", afirma Matheus.
Além do desafio de encarar as mudanças corporais e a avalanche de desejos e novas experiências, construir-se e posicionar-se sexualmente como homem e mulher é um desafio e tanto na adolescência. Principalmente porque a sexualidade não é constituída apenas de determinantes biológicos, mas por um complexo de marcas culturais, sociais e econômicas. O adolescente aprende com o meio o que é esperado dele na relação com o outro.
Como meninos e meninas estão formando a própria identidade, é essencial eles confrontarem as ideias que têm sobre o comportamento de homem e de mulher (o que inclui, em muitos casos, contestar até o modelo dos pais, geralmente considerado perfeito durante a infância). Freud escreveu que é essa nova significação de papéis, com a adoção de outros modelos de identificação fora da família, que consolida a sexualidade de cada um. Na vida real, isso pode provocar grande ansiedade, pois novas referências podem se chocar com os antigos e criar contradições difíceis. É a luta entre o que o adolescente quer ser (como homem e mulher), a autoridade que ele efetivamente dispõe para se tornar isso (já que ainda não é totalmente independente) e o que se espera que ele seja (na família ou na comunidade).
Enfim, falar sobre sexualidade exige exercitar a tolerância, o acolhimento ao outro e o olhar para si mesmo. Como disse o educador Paulo Freire (1921-1997): "A sexualidade, enquanto possibilidade e caminho de alongamento de nós mesmos, de produção de vida e existência, de gozo e boniteza, exige busca de saber de nosso corpo. Não podemos viver autenticamente, no mundo e com o mundo, se nos fechamos medrosos e hipócritas aos mistérios de nosso corpo ou se os tratamos cínica e irresponsavelmente".
Fonte:
Adolescência - Reflexões Psicanalíticas, David Léo Levisky, 320 págs., Ed. Casa do Psicólogo, 51 reaisA Atualidade da Psicanálise de Adolescentes, Roberto B. Graña e Angela B. S. Piva, 331 págs., Ed. Casa do Psicólogo, 83 reais
Conversando com o Adolescente sobre Sexo - Quem Vai Responder?, Gerso-Lopes e Mônica Maia, 128 págs., Ed. Autêntica, tel. 0800-2831322, 30 reais
Psicanálise e Sexualidade, organizado pela Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre, 182 págs., Ed. Casa do Psicólogo, 33 reais